segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O Amor e Suas Distorções

Por Rosangela Brunet

É fácil amar o outro na mesa de bar, quando o papo é leve, o riso é farto, e o chope é gelado. Nos cafés, após o cinema, quando se pode filosofar sobre o enredo e as personagens com fluência, um bom cappuccino e pão de queijo quentinho. Nos corredores dos shoppings, quando se divide os novos sonhos de consumo, imediato ou futuro. É fácil amar o outro nas férias de verão, no churrasco de domingo, nos encontros
erotizados, nas festas agendadas no calendário do de vez em quando
Difícil é amar quando o outro desaba. Quando não acredita em mais nada. E entende tudo errado. E paralisa. E se vitimiza. E perde o charme. O prazo. A identidade. E fala o tempo todo do seu drama com a mesma mágoa. Difícil amar quando o outro fica cada vez mais diferente do que habitualmente ele se mostra ou mais parecido com alguém que não aceitamos que ele esteja. Difícil é permanecer ao seu lado quando parece que todos já foram embora. Quando as cortinas se abrem e ele não vê mais ninguém na plateia. Quando até a própria alma parece haver se retirado.Ana Jácomo

Segundo Helen Fisher "Na língua Grega, o termo “amor” tem uma tríplice acepção: agapé que significa cura, benevolência; eros que significa amor erótico; filia que significa amizade.A etimologia do termo nos remete a: “entrar em…” ser em…”. Em relação à nós mesmos, o amor pode ser entendido como o “ir ao encontro de nós próprios”, “ entrar no profundo de si”.Podemos definir o amor como tudo aquilo que através do desejo, nos move da interioridade para a vida. Ou ainda como a atração que nos inclina para um objecto diferenciado em relação aos outros, para o qual convergem energias, aspirações, desejos e pulsões."

Nas relações Interpessoais ou afetivas há um investimento de energias dinamizando o processo. Segundo (Shelly, 2005) aetimologia da palavra energia implica em uma atividade ou todo agente capaz de produzir trabalho de acordo com a definição da física. Podemos afirmar que a energia nunca é criada nem destruída, simplesmente é transformada de um tipo em outro. As energias conhecidas pela física possuem entropia positiva, uma vez que se propagam de um local de maior potencial para outro de menor potencial energético. Entretanto, foi descoberta por Wilhelm
Waterhouse Lovers, de John Williams
Reich outra energia de entropia negativa e denominada energia sutil ou orgânica. A teoria eletromagnética de Louis Vallé afirma que se em um determinado espaço a energia atinge uma densidade suficiente, ocorre a materialização de um fóton. Contudo, se a energia é de densidade inferior, só pode existir em forma de onda. Estendendo esse conceito, Pagot afirmou que, densidade ainda menor, a energia também deixará de ser ondulatória para existir de maneira difusa perturbando esse espaço (energia de forma)
"

Levando em conta esta dinâmica de energias que se difundem e se transferem ao longo de um  campo, podemos compreender a importância da troca de energia nas relações. O campo de tensão onde estamos inseridos é onde recebemos e emitimos energia influenciando e impactando a vida das pessoas com quem nos relacionamos.Se estamos emitindo energias negativas teremos dificuldades de encontrar harmonia neste campo de ação. O que emitimos  influenciará de alguma forma o outro ,causando um impacto negativo , roubando ou influenciando  o humor, o comportamento ou os sentimentos desta pessoa de forma negativa.
"O amor é um  sentimento de carinho e demonstrações de afeto que se desenvolve entre seres humanos ou animais ,o qual motiva a necessidade de protegê-los pode se manifestar de diferentes formas: amor materno ou paterno, amor entre irmãos e amigos (fraterno), amor físico, amor platônico, amor à vida, etc" Esse amor provoca entusiasmo e faz com que a pessoa se interesse em fazer o bem ". [1] 
Partindo destes pressupostos, se estamos amando nossos amigos ,famílias ou parceiros receberão este afeto e o conforto necessário para a sustentação da relação . 
Esta definição descreve o amor como um estado de ser e de estar frente ao outro. A cultura ocidental aprendeu a amar pelo sentimento, e não pela atitude. O amor é uma atitude frente a .E, essa atitude pode ser aprendida e cultivada independente do sentimento que possa estar nutrindo uma relação em um dado momento.Veja o exemplo de Tifany e Pat no filme O Lado Bom da Vida" . Pat ,o personagem com Transtorno Afetivo Bilpolar conhece Tifany que é viciada em sexo. Ao longo do filme os personagens retrata a dificuldade de se confiar, receber, entender e aceitar o amor do outro como princípio de cura. Pat não conseguia ser amado por permanecer em um padrão repetitivo de comportamento. No final ,a carta de Pat traduz este drama:
Querida Tiffany...O mundo quebrará seu coração de dez maneiras diferentes.Isso é uma certeza , mas adivinha? Este domingo amanheceu mais bonito. Eu lembro de tudo que fizeram por mim e me sinto uma pessoa de sorte. ...Se as nuvens estão bloqueando o sol, sempre tento ver aquela luz por trás delas, o lado bom das coisas, e lembro de continuar tentando.E eu não posso explicar a loucura que há dentro de mim ou no mundo.Eu seu
que foi você que escreveu aquela carta. A única forma de conhecer minha loucura, foi fazendo algo mais louco ainda,né? Obrigado. Eu te amo. Eu Soube disso desde o momento que vi você . Me desculpe ter levado tanto tempo pra entender, eu estava muito confuso" Patt ,In "O Lado Bom da Vida" 
Tiffany e Patt foram salvos pelo amor e pela arte.Como disse nosso querido Freud: "Em última análise é preciso amar para não adoecer".E sobre a arte, você sabe, como disse Gullar : "A arte existe porque a vida não basta". 
Como bem disse Anselm Grün "Somente o amor pode curar tantas feridas. Isso não se aplica somente ao amor dos apaixonados, mas também ao processo terapêutico. O que em última análise cura o paciente não é o método psicológico que o terapeuta usa, mas o amor que ele lhe oferece, ou, como exprime Rogers: o interesse irrestrito, valorizador, a empatia, a atenção incondicional, positiva. O paciente necessita da experiência da aceitação incondicional do terapeuta para poder trabalhar a sua escassez de experiência de amor na infância.” [6]
A trilha sonora do filme poetisa este conflito vivenciado pela escassez de amor que muitos vivenciam por não terem sido amados na infância.
"Pode me chamar de louca. Mas ,em um mundo onde ninguém se entende é bom finalmente encontrar alguém que consegue me entender e me conhecer melhor do que eu mesma. Não me importo com o que os outros falam. Não me importo com o que o mundo pensa Nós temos um ao outro. E isso é tudo o que precisamos.E você me mostrou que não preciso de mais nada. Pode me chamar louca, talvez seja verdade. Mas eu sou louca por você,não posso evitar, e eu te amo porque sei que você também é louco por mim. ..."Silver Lining (Crazy Bout You), Jessie J -Trilha Sonora(Um Single) do FIlme "O Lado Bom da Vida" 
Carlos Alberto Plastino diz que : "A compreensão sobre as relações dos homens com o real,isto é , às relações de conhecimento ,são inseparáveis da própria concepção sobre o homem".Na verdade, Miller * explica que "amamos aquele que responde à nossa questão: 'quem sou eu.[...} "amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro.(...) é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo. Para isso, é preciso se assegurar de sua falta, de sua 'castração', como dizia Freud. E isso é essencialmente feminino. Só se ama verdadeiramente a partir de uma posição feminina. Amar feminiza. É por isso que o amor é sempre um pouco cômico em um homem, porém, se ele se deixa intimidar pelo ridículo, é que, na realidade, não está seguro de sua virilidade."  

Mas, a despeito das raízes históricas , ideológicas ou das teorias em volta do conceito de amor , o que realmente é necessário levar em conta é que , o amor é uma atitude que precisa ser uma construção invariante e permanente entre aqueles que se propõem a se conhecerem ,pois sem ela não há vínculos permanentes. A construção de um vínculo forte é capaz de atingir regiões inimagináveis possibilitando a aceitação daquilo que é diferente de nós mesmos, e assim a verdade é percebida como uma paisagem antes nunca vista .O pacto de não ferir o outro pode ser considerado uma aplicação perfeita quando estamos falando de amor e respeito.Isso promove um estado de permanente segurança e o sujeito obtém realização porque consegue obter o que necessita , tendo o outro como referência e extensão de sua completude. 

O que José Saramago diz em seu poema nos ajuda a entender um pouco sobre este equilíbrio de permanência relacional, pois o encontro de almas que andam juntas aliançadas necessitam de um futuro de promessas cumpridas e de uma espécie de eternidade nas palavras.
"A inteligência sem amor, te faz perverso. A justiça sem amor, te faz implacável. A diplomacia sem amor, te faz hipócrita.O êxito sem amor, te faz arrogante.A riqueza sem amor, te faz avaro.A docilidade sem amor te faz servil. A pobreza sem amor, te faz orgulhoso. A beleza sem amor, te faz ridículo. A autoridade sem amor, te faz tirano.O trabalho sem amor, te faz escravo. A simplicidade sem amor, te deprecia. A oração sem amor, te faz introvertido. A lei sem amor, te escraviza. A política sem amor, te deixa egoísta.A fé sem amor te deixa fanático.A cruz sem amor se converte em tortura.A vida sem amor...não tem sentido."
Sei que este tema é complexo e subjetivo , mas o amor que confia é capaz de atingir regiões profundas do coração invocando um fenômeno raro que faz curar a alma de quem se deixa confiar e ser confiado.É preciso se permitir ser tocado lá no fundo, pois como disse 
Alvaro Pallamares " No amor e na intimidade, estamos constantemente nos transformando, sempre levando algo do outro , e deixando parte de nós .Aqueles que não tem consciência de sua identidade e não cuida sigilosamente dela se perderá nesta inevitável troca."
Uma relação afetiva que se baseia apenas em sentimentos esta fadada a ser extinta. O amor baseado em sentimento é um espectro da cultura meritocrata. Esta cultura associou o amor a condições e a sentimentos. É um modo de amar com condições. Amar uma pessoa esta condicionado ao fato dela ser agradável, gentil e simpática. Você é amado porque você merece,porque faz coisas boas, porque se sacrifica pela pessoa que te ama, etc. A meritocracia é uma régua que estabelece padrões decadentes e tem sido responsável pelo rompimento de muitos vínculos É uma atitude que promove um olhar positivo apenas sobre a pessoa que corresponde às sua expectativas. Uma demanda correspondida não significa uma relação satisfatória, e muito menos perpassa pelo prazer da satisfação e realização pessoal . Na minha opinião esta definição é incompleta Nelson Mandela tem uma frase que simboliza exatamente o que quero dizer: “Você não é amado porque você é bom.Você é bom porque você é amado” .Esta frase nos reporta para outra visão de amor.O amor que não é egoísta, que não pensa em seus próprios interesses.Realmente existe outra forma de se pensar o amor. Rubem Alves fala dessa condição de uma forma poética,mas  bem representativa :"É isto que amamos nos outros: o vazio que eles abrem para que ali cresçam as nossas fantasias .Buscamos, no outro, não a sabedoria do conselho, mas o silêncio da escuta; não a solidez do músculo,mas o colo que acolhe... Como seria bom se as outras pessoas fossem vazias como o céu, e na tão cheias de palavras, de ordens, de certezas.Só podemos amar as pessoas que se parecem com o céu, onde podemos fazer voar nossas fantasias como se fossem pipas..."
Uma outra modalidade de  amor é o amor Romântico ,o qual é uma  espécie de transferência das nossas relações primárias e vínculos afetivos maternos e paternos. Nesse caso o que amamos é o idealizado como bom e apropriado em função da espécie de relação afetiva que vivemos em nossa infância .Se esta ipo de amor não amadurece pode-se se dizer que a pessoa esta apaixonada.
Paixão é uma palavra de origem Grega derivada de "paschein",ou seja  padecer uma determinada ação ou efeito de algum evento. É algo que acontece à pessoa independente de sua vontade ou mesmo contra ela. De paschein derivapathos e patologia. Pathos designa tanto emoção como sofrimento e doença. As paixões, entendidas como emoções, mobilizam a pessoa impondo-se à sua vontade e à sua razão.É uma vivência complexa que geralmente é prolongada, podendo ser duradoura mas raramente perene. A aixão , num sentido amplo, é um forte sentimento de apego. O amor romântico é um amor obsessivo .É  um sentimento volátil, com frequência incontrolável, que se apodera da mente, trazendo alegria em um momento e desespero no outro"[4]
Um exemplo de paixão foi o caso de Camille Claudel com Rodin . Carmen Silvia Cervelatti , explica um pouco o fenômeno da falta  se referindo a Camille Claudel:
Camille e Rodin
Da posição de não-toda, a demanda de amor (que tem potência de infinitude) é endereçada ao Outro barrado e retorna ao parceiro feminino como devastação, porque este lugar é um lugar não cerceado, não há limite, tende ao infinito. O parceiro-sintoma da mulher torna-se, assim, o parceiro-devastação(...) A criação artística revela o impossível de dizer, ou seja , a relação com o vazio do Outro, com o furo, que tanto o artista quanto o feminino podem experienciar e dar testemunho dele(...) A força e a grandiosidade do talento de Camille Claudel estavam na verdade em um lugar muito
incômodo: entre a figura legendária de Rodin e a de seu irmão que se tornou um dos maiores expoentes da literatura de sua geração. Camille Claudel Mais tarde, ela torna-se amante do mestre e cai em desgraça perante a sociedade parisiense. Após 15 anos de relacionamento, ela rompe o romance e mergulha cada vez mais na loucura e na solidão. E não é difícil ler que as questões de gênero permeiam esse lugar menor dedicado a Camille. Seu gênio sufocado por dois gigantes, sua vida sufocada por um abandono, suas forças e sua lucidez esgotadas por uma relação umbilical com seu mestre e amante. Uma relação da qual não conseguiu desvencilhar-se, consumindo sua vitalidade na vã tentativa de desembaraçar-se desse destino perverso. "[5] 
O amor romântico, ou paixão,  por ser uma relação advinda de uma  idealização  sustentada pela falta, precisa ser exposto ao teste da realidade .Por isso,  se ele for  testado ,aprovado e transferido para objetos reais ele se converte  numa madura pela aceitação da diferença. 
Segundo Gina Khafif Levinzon "Os estados de paixão são o motor da alma humana. Trazem cor e vida aos relacionamentos e permitem que as pessoas se unam criativamente e perpetuem a sua espécie. Cantados em verso e prosa, retratados pelos artistas, pelas pessoas dos mais diversos grupos sociais, relatados copiosamente nas sessões de análise, os sentimentos apaixonados são um tema universal e envolvente.O problema é que deparamo-nos, por vezes, no entanto, com estados de apaixonamento que nos intrigam pela sua tenacidade e pela dor a eles associada. O que determina a escolha insistente para objeto de amor de um parceiro que não corresponde ao afeto nele depositado?
"Morgan Scott Peck ,uma Psiquiatra , escreveu que "a experiência de se apaixonar tem sido provavelmente uma das suas características da ilusão de que a experiência irá durar sempre. Esta ilusão é fomentada na nossa cultura pelo mito vulgarmente cultivado do amor romântico, que tem as suas origens nas nossas histórias infantis favoritas, em que o príncipe e a
Frida e Diego
princesa, uma vez unidos, vivem felizes para sempre. O mito do amor romântico diz-nos, com efeito, que para cada rapaz no mundo há uma rapariga que “foi feita para ele” e vice-versa. Além disso, o mito implica que há um só homem destinado a uma mulher e uma só mulher para um homem e que isso foi predeterminado “nas estrelas”
Este mito promove a sustentação da fatídica Paixão tão confundida com o amor, a qual possui uma curta duração comprovada cientificamente. A paixão é aquele sentimento que vivenciamos onde tudo parece ser perfeito, o idealizado se tornou “realidade” por um curto período de tempo . Nesse estado a pessoa entra-se num estado de confluência, onde não há mais barreira de contato,e ambos estão tão confundidos um com o outro que não se pode enxergar nada mas além daquilo que se quer ver e deseja enxergar. O cérebro libera uma substância capaz de provocar tanta euforia, alegria, prazer que pode provocar ,em alguns caso,o vício de se apaixonar. .São os viciados pela paixão. Eles saem de uma relação e entra na outra com a mesma intensidade que eles dão um trago ou cheiram cocaína. O objeto de desejo mudou, mas o comportamento obedece o mesmo padrão compulsivo.Com o fim dessa sensação prazerosa o indivíduo terá que decidir se essa relação vai se tornar amor ou não. Esse estado ,que mais se parece com aquela euforia mãe-bebê, vai se esvaindo aos poucos até que os parceiros se tornem diferenciados um do outro. Nesse momento então enxerga-se o inevitável: As diferenças. Nessa hora o amor é necessário para que possamos conhecer a verdade. Neste processo o amor gera a confiança, que entra como um catalisador dessa construção. 
Amor sem verdade não é mais do que paixão; verdade sem amor não passa de crueldade" Wilfred Bion (1897-1979),psicanalista britânico
A verdade precisa ser revelada para que o amor   se consolide. A verdade de si mesmo, a verdade do outro."
Amar verdadeiramente alguém é acreditar que ,ao  amá-lo,se alcançará uma verdade sobre si. Ama-se aquele que conserva a resposta à nossa questão: Quem sou eu? "Jacques -Alain Miller
Temos que ser oceanos aberto para   que o outro possa desaguar . Isso servirá de cenário para a história que iremos contar.Maduros, permanentes e seguro agora. Inicia-se, então, um novo relacionamento. Agora , sustentado pela realidade. Contudo, mais seguro, mais sólido e mais permanente. É um amor difícil de ser aceito na nossa sociedade líquida cultuada pela imagem e pelo excesso.
"Eu estava a pensar na forma como se poderá entender o amor, à luz da minha formação. Da minha perspectiva, depende daquilo que o outro representa, se o outro é um prolongamento nosso, é uma parte nossa, como acontece muitas vezes, ou é uma idealização do eu de que falaria o Freud. No sentido psicanalítico poder-se-ia dizer que o amor corresponde ao eu ideal e, portanto, à procura de qualquer coisa de ideal que nós colocamos através de um mecanismo de identificação projetiva no outro. Portanto, à luz de uma perspectiva científica, como é apesar de tudo a psicanalítica, o problema começa a pôr-se de uma forma um bocado diferente. Nesse sentido e na medida em que o objecto amado é sempre idealizado e nunca é um objectivo real, a gente, de facto, nunca se está a relacionar com pessoas reais, estamos sempre a relacionarmo-nos com pessoas ideias e com fantasmas. A gente vive, de facto, num mundo de fantasmas: os amigos são fantasmas que têm para nós determinada configuração, ou os pais, ou os filhos, etc. (...) O amor é uma coisa que tem que tem que ver de tal forma com todo um mundo de fantasmas, com todo um mundo irreal, com todo um mundo inventado que nós carregamos connosco desde a infância, que até poderá haver, eventualmente, amor sem objecto. O amor não será, assim, necessariamente, uma luta corpo a corpo, ou uma luta corporal, mas pode ter que ver realmente com outras coisas, uma idealização, um desejo de encontrar qualquer coisa de perdido, nosso, que é normalmente isso que se passa, no amor neurótico, ou mesmo não neurótico. Quer dizer, é a procura de encontrarmos qualquer coisa que a nós nos falta e que tentamos encontrar no outro e nesse caso tem muito mais que ver connosco do que com a outra pessoa. Normalmente, isso passa-se assim e também não vejo que seja mau que, de facto, se passe assim. "António Lobo Antunes[1]
Esta reflexão de Antonio Lobo reforça o pensamento de Jacques Lacan [3] que diz que "Todo amor encontra seu suporte em certa relação entre dois saberes inconscientes” Amamos a falta , o que não é conhecido. Como bem disse Rubem Alves "É isto que amamos nos outros: o vazio que eles abrem para que ali cresçam as nossas fantasias .Buscamos, no outro, não a sabedoria do conselho, mas o silêncio da escuta; não a solidez do músculo,mas o colo que acolhe... Como seria bom se as outras pessoas fossem vazias como o céu, e na tão cheias de palavras, de ordens, de certezas.Só podemos amar as pessoas que se parecem com o céu, onde podemos fazer voar nossas fantasias como se fossem pipas..."

Segundo Renato Dias Martino " A forma como se escolhe o par amoroso revela a maturidade do ‘eu" .Há casos em que os romances provocam estados afetivos comprometidos que causam profundo sofrimento ,os quais , segundo Andréa de Souza Vaz "
são caracterizado por:instabilidade emocional, baixa autoestima, abuso de substâncias
químicas, compulsão alimentar,amor em demasia(patológico), tristeza, euforia, ilusão, ... desequilíbrio emocional e financeiro, ansiedade..." 
Nesses casos é indicado uma busca profissional, pois segundo Juan-David Nasio " Toda dor é a lembrança de uma dor antiga e toda perda é a reprodução de uma primeira dor já esquecida."[2]
"Quando amar significa sofrer esta se amando demais. Quando não gostamos de muitas das características, valores e comportamentos básicos do parceiro , mas toleramos pacientemente ,achando que ,se ao menos formos atraentes e amáveis o bastante ele irá mudar, este pode ser um caso exemplar de quem esta amando demais. Amar demais é uma experiência comum para muitas mulheres,que quase acredita ser assim que os relacionamentos íntimos devem ser. A maioria de nós já amou demais pelo menos uma vez , mas , para muitas mulheres este tipo de relacionamento é uma constante . Amar demais mesmo quando o parceiro é inadequado,inacessível, A REJEITA, e não satisfaz as necessidades do outro , e mesmo assim tem-se dificuldade para abandoná-lo pode ser um caso clássico de "Pessoas Que Amam Demais. "O fato de querer amar e ser amado pode se tornar um vício nestes casos. 
Todo amor encontra seu suporte em certa relação entre dois saberes inconscientes”
Jacques Lacan,In Seminário XX,Pág.174
E , ai ama-se de forma obsessiva ” Robin NorwoodUma das origens de se desenvolver esta obsessão por amar demais pode ser compreendida quando estudamos mais a fundo alguns casos de co-dependentes químicos. Verifica-se que muitos viveram dramas familiares e possuem histórias pessoais onde experimentaram muito sofrimentos na infância e, por isso precisaram desenvolver a capacidade de serem estoicas e salvadoras. Repetem assim o mesmo modelo que tiveram na infância onde elas é que controlam e salvam alguém que precisa de ajuda.Assim, elas perpetuam esse padrão de relacionamento insistindo em preferir relacionamentos difíceis.
"Um relacionamento é uma intercessão:Um na vida do outro e não um contendo o outro" Tereza Cristina Martins
Somos seres relacionais e apesar de termos nascido sós,  ao longo da vida vamos estabelecendo vínculos, e alguns se tornam tão vitais que seu rompimento pode se tornar uma fonte de  profunda tristeza podendo evoluir para uma depressão.

A modernidade nos alcançou, “ o futuro chegou mas  nós não estamos nele" O futuro que tanto desejamos não inclui nossa essência, nossa legitimidade enquanto indivíduos. Evoluímos tecnologicamente ,mas nossas relações interpessoais e nossos vínculos afetivos estão aquém de nossas demandas  emocionais e necessidade pessoais . Projetamos alegria e prazer, estamos colhendo frustração e solidão .Desenhamos uma humanidade de paz ,mas temos mais inimigos do que aliados.
Não quero passar uma imagem derrotista ou pessimista, mas quero lembrar da responsabilidade que temos de virar esse jogo.Ainda temos tempo.As relações afetivas oscilam entrem frieza, egoísmo a descamba para a dependência. O equilíbrio tem sido um material escasso na construção da sociedade

Apesar de estarmos mais modernos e vivermos numa sociedade altamente evoluída tecnologicamente, ainda estamos aprendendo a viver  uma relação afetiva ,ainda estamos   desenhando o projetando o modelo de como conviver com o outro sem nos tornamos dependente dele. Há gatilhos que ainda detonam nossas lembranças mais escuras nos deixando,algumas  vezes,na mão  do outro, o até mesmo desejando o outro como objeto de posse.O mundo moderno esta longe de aprender a experiência do luto necessário , haja visto a necessidade do imediatismo tão cultuado em complacente acordo com a superficialidade dos  "Amores líquidos". Ninguém tem mais tempo de cultuar o presente, de investir nas necessidades legítimas, de se abandonar em suas ousadas aventuras de ser o que se verdadeiramente é.

A dificuldade de virar página ainda se  sustenta na busca de não abandonar  o passado, "mudar o disco" e largar a velha canção ainda  é um desafio."Sair pra vida e tomar a cidade"  depois de um vínculo rompido oscila entre o imediatismo prazeroso  e a depressão pela incapacidade de elaborar do luto .A ansiedade esta tomando o lugar do prazer pelo simples e pelo verdadeiro. Ainda se paga  preços altíssimos para se obter o afeto do de alguém .Sabe-se que  no fundo tudo que precisamos mais é  sermos amados,mesmo que que esse amor venha disfarçado de carros importados, de mulheres bonitas e  um status social alto. No final do túnel a luz que acende é aquela que nos faz descansar no colo de quem a quem a gente ama. Falei "descansar no colo"? Não foi ato falho,,é a nossa mais confortável emoção e desejo inconsciente,  porque  esse afeto que nos assombra e nos desmonta todo,  a todo custo esta relacionado com nossas primeiras experiência afetivas: O colo da mãe, sua atenção seu toque. Ainda que  pareça uma teoria psicológica barata essa é a base de todos os nossos relacionamentos.Nossos pais. Ainda que a gente complexifique tudo,ainda que a gente explore todas as teorias psicológicas, a base dos nossos afetos é a nossa relação maternal/paternal.Desse a matriz  reproduzimos nossos  futuros ,e muitas vezes fatídicos,  vínculos.Não vou me aprofundar neste tema.Apenas me utilizarei desse principio básico para desenvolver minha reflexão e tentar discutir sobre essa questão que me inquieta.Porque ainda há tanta fragilidade nas relações afetivas.Porque é        tão difícil se relacionar de forma íntima.Porque  sofremos tanto num rompimento amoroso?
"Penso em tudo o que os homens sentem pelas mulheres que amam e tento dizer o que nos une nesse amor. Fora dos pormenores e das particularidades. Sei que as mulheres que nos amam não nos amam de maneira diferente mas, como nunca se sabe, deixei-as de fora, falando apenas pelo meu género: a malta.
Minha amada querida. O meu pai, logo depois de se ter apaixonado pela minha mãe, disse-lhe, em pleno namoro (ela uma mulher inglesa casada, com uma filha pequena; ele um solteirão português): «Se soubesses quanto eu te amava, destruías-me já.» E disse a verdade. Era tanto o amor e o ciúme que lhe tinha, que fez mal à mulher que amava, minha mãe, e mal ao homem que a amava: ele próprio, meu pai.
O amor é um castigo: é um desespero: é um medo. O amor vai contra todos os nossos instintos de sobrevivência. Instiga-nos a cometer loucuras. Instiga-nos a comprometermo-nos. Obriga-nos a cumprir promessas que não somos capazes de cumprir. Mas cumprimos.
Eu amo-te. E não me custa. É um acto de egoísmo. Mesmo que tu me odiasses mas te odiasses tanto a ti própria que não te importasses de ficar comigo, eu seria feliz e agradeceria a Deus a tua inconsciência; a tua generosidade; qualquer estupidez ou inteligência que te mantivesse perto de mim.
A sorte não é amar-te nem tu me amares. A sorte é ter-te ao pé de mim. Tu podes estar enganada. Deves estar enganada. Mas ninguém neste mundo, por pouco que me ame ou muito que te ame, está mais certa para mim. Obrigado.  ( Título original do texto: «Obrigado, namoradas» )
Miguel Esteves Cardoso, in 'Amores e Saudades de um Português Arreliad

Jamais conseguiria responder tudo isso...mas tem algumas coisas que me ajudam e me acalma nessas incertezas.Algumas  "verdades" benditas que aprendi á duras penas. Uma delas é muito bem retratada num texto da Martha  Medeiros:  "Mantenha-se atrás da faixa amarela, não chegue muito perto, não acerque-se de meus traumas, não invada meus mistérios, não atrite-se com o meu passado, não tente entender nada: é proibido tocar no sagrado de cada um

A intimidade é uma terra pouco habitada porque ela exige muito de nós. Nos cabe ali nos desnudar inteiros  diante de um "estranho"   que  um dia pode nos  abandonar. E é ai que se trava verdadeiras batalhas que pode se desaguar nos mares da depressão e desespero.

em alguns casos há os que que não temem , e são abandonados sem certezas e respostas claras. Desse pode nascer  os futuros amantes decepcionados e  despreparados para o novo amor.

Há aqueles que não se desnudam jamais.Casos claro de nunca terem vivido nessa terra cálida e sólida do afeto maternal seguro,dedicado e constante.Esses constroem monstros em jardins floridos porque não aprenderam descansar .Quem não viveu a segurança do colo e da presença nunca dificilmente conseguira viver a segurança de uma relação.Raramente conseguirá sonhar,sair do chão,pois a solidão em sua infância foi solo de desesperança e não o permitiu que houvesse estrelinhas e nuvens cor de rosa em seus jardim de infância.Mas há uma terceira categoria oriunda desses desacerto que mais me chama a atenção. É sonhador compulsivo, o eterno apaixonado .Aquele cujos pés não podem tocar o chão. O sofrimento da realidade lhe foi como um bombardeio em Chernobyl vivendo um desastre  que reverbera adentrando seu futuro.São amantes que não sabem amar porque não podem viver novamente sua tragédia , e vivem pra sempre reproduzindo seus abandonos e sofrimentos. 

Há uma lista de frentes explicativas que eu poderia conduzir neste tema,mas esta última para mim é a mais delicada. É neste palco que os grandes tragédias das relações  estreiam, é nesta ring  que as violências domésticas travam as maiores batalhas, é neste campo que se concentram as grandes decepções amorosas. 
"O contato é implicitamente incompatível com permanecer o mesmo" 
POLSTER, 2001, p.110
Há alguns textos legais que ajudam a gente entender como conduzir uma relação saudável.Mas acho que ainda estamos engatinhando nessa jornada,pois essa não é uma caminhada teórica,mas sim histórica, pessoal e subjetiva de cada indivíduo que foi amado ou não.E que agora pode amar ou não. Uma relação a dois é uma jornada de perguntas e respostas diárias que apostamos na sorte do passado e na reconstrução presente de duas pessoas podem ou não estar dispostas a pagar o preço de um futuro incerto.E para conviver com o incerto é mister que a gente se ame muito, que haja autoconhecimento construído pela auto estima.E isso é material de estudos profundo ,individual e constante.Isso é tema de vida e de existência.Isso não é para todos. Isso se aplica aos corajosos e aos que se colocam humildes diante do inesperado que a vida nos presenteia.

Diante de toda esta reflexão o que mais espero e sonhos é podermos aprender a crer em um amor que possa servir de sustentação e força para o dia a dia, que este amor nos desviei de nós mesmos quando não estivermos com dúvidas e sem fé na vida. Este tipo de amor,do qual me refiro , não pode ser baseado no desejo,pois com disse Lacan, "o desejo é intervalar, o desejo é sempre o desejo de outro desejo".Este amor que acredito não pode ser fundamentado no egoísmo, pois a rotina vai desgastar a última gota de sua emoção .Que as relações sejam sustentadas  por uma   espécie de amor que cura, que fortalece os vínculos, que produz paciência nas horas de cansaço, que coloque cor onde não tem mais nenhum sentimento
Acredito numa dimensão de amor que excede nossa visão limitada   e  é capaz de transformar uma sociedade .É o amor  Ágape, aquele que cura,  o  amor de Deus em nós ,ou mesmo o amor de Deus  por nós, o qual é incondicional, único e impossível de ser descrito com exatidão.Ele não se mede pela política meritocrata. Não se explica pela ciência. Porque esse amor é o próprio Deus existindo dentro de nós  numa dimensão diferente da nossa. No entanto, só é  possível experimentá-lo através da relação com o outro.Pois é ali que encontramos a Deus. Se não amamos o que vemos não podemos conhecer   o que não vemos.E ninguém ama o que não conhece.Este amor tem uma energia natural capaz de virar nossa vida de cabeça para baixo  e resgatar tudo que já esta desacreditado. Ele nos fortalece para reiniciar a caminhada . É o oposto do Amor Romântico,pois não é passageiro , é maduro e se vste de humanidade mesmo tendo uma natureza divina.
   "O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formamos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o principio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida."Fernando Pessoa


[1]António Lobo Antunes sobre "A Idealização do Amor ", in "Diário Popular (1979)
[2]Juan-David Nasio( Psicanálise e Amor: uma transmissão.)
[3]Jacques Lacan,In Seminário XX,Pág.174
4] Helen Fisher, Porque Amamos- A Natureza Química do Amor Romantico, Relógio d'Água 2008)
[5] Arte e Psicanálise

[6]Anselm Grün, Morar na casa do Amor, Edições Loyola


Sugestões :
Texto Dependência Afetiva" http://contruindooser.blogspot.com.br/2013/12/dependencia-afetiva.html
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