Por Rosangela Brunet
Depois de suportar alguns clichês reverberando em alto som nas conversas rotineiras de pessoas que nem imaginam o quanto não se amam; e presenciado alguns equívocos sobre a raça humana que se tornou refém da sociedade do espetáculo , a qual anda mergulhada na cultura da imagem resolvi, desabafar refletindo sobre o tema modernidade, aparência e hipocrisia.
Mas antes gostaria de iniciar esta postagem com um conto do Caio Fernando Abreu que reflete essa realidade cotidiana que se tornou cenário desse caos moderno.
"Vocês conhecem o chorão? Aquela árvore assim alta, magra, meio despencada, com uns galhos compridos até o chão? Pois diz a Juçara que o chorão não era assim.
Era uma árvore toda esticadinha, muito orgulhosa e antipática. Ela morava na beira de um lago bem clarinho. Pois imagina que o Chorão — que naquele tempo não se chamava chorão, mas salgueiro — inventou de se apaixonar pela Lua. Só que o Lago também se apaixonou,
ao mesmo tempo.
ao mesmo tempo.
Ficavam os dois, o Chorão e o Lago, todos suspirosos quando a Lua aparecia atrás da montanha, ao anoitecer. Tantas caras e bocas fizeram que um vaga-lume muito fofoqueiro ouviu a história da tal paixão e foi contar pra Lua.
A Lua, claro, ficou muito envaidecida. Quem que não gosta que os outros se apaixonem pela gente? Pois a Lua mandou dizer aos dois apaixonados que, na próxima sexta-feira, quando estivesse bem cheia e apareces e atrás da montanha, o pretendente que estivesse mais bonito, na hora ela ficava noiva.
O Chorão ficou na maior empolgação. Fez amizade com o vaga-lume, interesseiro que era. E pediu a ele que chamasse todos os amigos vaga-lumes para enfeitá-lo todo, na sexta-feira de tardezinha. O pobre do Lago era muito desajeitado e humildezinho. Até tentou se enfeitar um pouco, mas os enfeites todos escorregavam na superfície dele e acabavam afundando.
Quando chegou a sexta-feira, o Chorão estava lindaço, cheio de vaga-lumezinhos vaga-lumeando brilhosos nos galhos. Parecia uma árvore de Natal. E tão atrevido! Debochava horrores do pobre Lago, que só tinha uns peixinhos muito assustados espiando de vez em quando. A Juçara diz que aquele salgueiro estava um nojo, de tão exibido e certo de que ia ficar noivo da Lua.
Mas acontece que, na hora em que a Lua apareceu atrás da montanha, ela viu todo aquele brilho do salgueiro refletido — onde? Ora, nas águas do pobrezinho do Lago, umas águas muito limpinhas e quietas. Claaaaaaaaro que ela achou o Lago muitíssimo mais bonito. Aí ficou noiva dele na hora, e nas sete noites de lua cheia vem se banhar nua nas suas águas quentinhas. O salgueiro? Ah, ficou tão desapontado que começou a despencar, despencar, despencar até virar essa árvore tristonha que a gente agora chama de chorão.
Não é bonita a historinha da Juçara? Você pode achar um pouquinho triste, também, mas eu acho ótimo que o chorão tenha sido castigado pelo seu orgulho. Daí, penso também outra coisa de gente grande: não adianta muito você se enfeitar todo pra uma pessoa gostar mais de você. Porque, se ela gostar, vai gostar de qualquer jeito, do jeito que você é mesmo, sem brilhos falsos.
A Ulla me disse depois que a Juçara contou a história bem alto, num dia em que a Otília estava insuportável, agredindo sem parar a pobre da Gabi. Quem sabe assim a Otília se toca um pouco, não é?"
Lendo este conto a gente percebe que todos nós já o conhecemos um dia um "chorão" ou um "lago" , e obviamente eles não sabiam o quanto eles estavam equivocados a respeito da vida .Em falar em equívoco lembrei de Rachel, uma personagem da série americana "Glee". Esse é um outro exemplo bem representativo sobre os estragos que a tirania da imagem tem causado no comportamento das pessoas.
"Rachel "Rach" Barbra Berry é interpretada pela cantora e atriz Lea Michele. É a capitã e estrela do glee club, New Directions. Tem dezessete anos, é judia e estuda no William McKinley High School, em Lima, Ohio. Rachel é considerada impopular pela maioria dos outros alunos, por ser muito egocêntrica e ambiciosa
Rachel Berry é um personagem fictício da série GLEE da FOX. Seu nome foi inspirado na personagem Rachel Green da série Friends. Rachel é solitária, mas focada e, de certo modo, entusiasmada, pelo seus sonhos de carreira profissional. Rachel não aceita que ninguém seja melhor que ela, portanto passa a maioria das temporadas sozinha. Rachel é judia, adotada, tem como ídolo Barbra Streisand Rachel provoca, muitas vezes, a irritação dos outros membros do Glee, como Kurt e Mercedes. Porém, todos entram em consenso quando o assunto é Rachel: sua voz é a essência do clube. Na segunda temporada, Rachel convence
seus colegas de clube a apresentarem músicas originais nas competições, devido a problemas, causados por Sue. "[1]
seus colegas de clube a apresentarem músicas originais nas competições, devido a problemas, causados por Sue. "[1]
Segundo Allisson e Isabelle atualmente "ocorre na sociedade uma constante exaltação do ego que se traduz na valorização da estética a partir de um hedonismo exacerbado, da juventude, da cultura pop, do romantismo e do presente. Jovens desejam sempre permanecer jovens, e idosos ambicionam o “rejuvenescimento”.
Pode-se dizer que a sociedade adentra-se cada vez mais no estágio estético – apontado por Kierkegaard (1979) em sua obra Ou Isso, Ou Aquilo: Um Fragmento de Vida (1843) –, o qual se caracteriza pelo romantismo e o prazer propiciado pelo agora, ambos marcados pelo desejo, contrapostos à dor e ao tédio.
Apesar dessa busca por prazeres momentâneos, os indivíduos tendem sempre a se apoiar a algo concreto, a alguma característica de si próprios que valorizam de forma constante e intensa. A essa procura por um sustentáculo pessoal, é possível chamar supervalorização da persona em relação ao ego e, até mesmo, de narcisismo, características da sociedade pós-moderna. Essa base pessoal encontra-se na estrutura psíquica dos indivíduos, a qual “se altera de acordo com a máscara social” (MELLO et al., 2002).Quando os prazeres se tornam escassos e sua persona sofre ameaça, o indivíduo passa a demonstrar-se, com maior frequência, insatisfeito. Como salienta Hegenberg (2007, p. 68), essa insatisfação pode ser resultante de um querer mais e mais, pois o indivíduo sente “um vazio irreparável, um nada, uma frustração contínua fruto de suas comparações com objetos idealizados”. Essa insatisfação limita as visões de mundo do indivíduo e traz problemas a sua autoimagem.
Para exemplificar, mesmo de caráter fictício, é possível citar a personagem Rachel Berry, da série musical Glee, que possui como base de sua vida e de sua personalidade a voz. Tal como aponta Balser e Gardner (2011, p. 220), a voz de Rachel pode ser entendida como uma metáfora para a sua identidade. A personagem mostra-se capaz de tudo para alcançar o sucesso como cantora, e quando se vê ameaçada a perder a voz por causa de uma amidalite, entra em pânico e em profunda tristeza (senão uma depressão). Desse modo, a voz de Rachel também pode ser entendida como uma máscara que esconde seus maiores medos e anseios. Caso ela a perca, perderá também aquilo que esconde o que ela reprime.Através de concepções diversas, será realizada uma tentativa de explanação dos valores e sentidos que os indivíduos atribuem a suas características físicas.
Identidade, para Stuart Hall (1998), citado por Borges (2004), “é algo formado ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato”. Devido a esse processo, que se inicia na concepção e termina na morte do indivíduo, o termo correto a se utilizar seria identificação, que diz mais a respeito ao momento que o indivíduo vive.
Dado como forma de identificação, o corpo é construído através da linguagem. Como afirma Goellner (2010, p. 29), é ela que “tem o poder de nomeá-lo, classifica-lo, definir-lhe normalidades e anormalidades, instituir, por exemplo, o que é considerado um corpo belo, jovem e saudável”.Dado que a linguagem é a “produtora” do corpo, e como filmes, músicas, revistas, livros, imagens e propagandas são métodos de transpor essa linguagem, pode-se dizer que são eles também responsáveis pela criação de uma imagem ideal, um exemplo ou padrão a ser seguido (GOELLNER, 2010, p. 29). A questão é: o que ocorre com quem não possui formas – sejam elas físicas, financeiras, culturais – para seguir os modelos impostos?
Um grifo interessante pode ser tomado a partir de pressupostos a respeito do Transtorno de Personalidade Boderline (TPB). O indivíduo que não consegue “se adequar” a esses modelos criaria seu ideal do ego, que dele exigiria o máximo. Ele utilizaria todo o seu potencial para alcançar a perfeição, o que seria desgastante e, provavelmente, em vão, logo que seu desejo de se tornar o centro do universo é, de certa forma, impossível de ser realizado (HEGENBERG, 2007, p. 69). Essa busca pelo “centro das atenções” refletiria na criação de uma base, pelo sujeito, para se sustentar: a persona.
Persona, segundo Jung citado por Humbert (1983), seria a forma que o sujeito assume uma personalidade para se adaptar ao ambiente e para com ele se relacionar. Constituir-se-ia, como aponta Mello e outros (2002), de “papeis sociais, tipo de roupa e estilo de expressão pessoal”. Esse termo é derivado das máscaras que atores gregos utilizavam no teatro.
No exemplo citado anteriormente, Rachel Berry produz seu ideal do ego utilizando-se de sua voz: é ela a sua persona, e é com ela que se adapta (ou tenta se adaptar) aos “companheiros não tão talentosos” do coral da escola. Antes de cantar um solo no mesmo episódio, ela afirma que a música escolhida trata de enfrentar desafios, que em seu caso, seriam os colegas que não conseguem prosseguir sozinhos sem tê-la ao lado. Rachel, que sempre teve problemas com sua aparência, com sua personalidade forte (ela mesmo se considera irritante e convencida) e, principalmente, com seu nariz (o que ela deixa claro em um dos episódios seguintes a este, no qual ela adentra-se no dilema de fazer uma cirurgia plástica ou não), tem sua voz como máscara de sua identidade – a representação que ela faz é que a voz é produtora de todo o seu talento. Se ela é como é, como ela mesma explica, é por causa da
voz. “Quando Rachel está abalada por ter perdido a voz, ela explica muito claramente o simbolismo por trás dessa perda: quem é Rachel Berry sem sua voz?” (BALSER; GARDNER, 2011, p. 220). Sua máscara cairia com essa perda, e ela não teria como explicar os motivos de seus atos e anseios.Existem dois tipos de persona: uma para quando estamos sozinhos e uma para o convívio social. Esta última pode apresentar características positivas ou negativas, variando de indivíduo para indivíduo. Ela pode tanto proteger o ego, reprimindo sentimentos que podem ocasionar tragédias pessoais e desavenças no âmbito social, quanto criar uma identidade mascarada, artificial, contrária aos traços do sujeito (MELLO et al., 2002).
Essa identidade mascarada é aquela produzida através de representações sociais que o indivíduo cria sobre seu próprio corpo. São significados que ele atribui ao seu sustentáculo pessoal, a sua base. Quando essa base encontra-se em perigo, correndo riscos de desconstituição, o sujeito sofre a angústia, a qual se demonstra como constantes pânico e tristeza.
Freud comprova esse pressuposto. Em seu artigo Inibição, Sintoma e Angústia, trata da angústia como um sinal de alarme mediante a um perigo que o indivíduo vivencia, isto é, um afeto do sujeito em detrimento de um risco que o mesmo corre (DANTAS, 2007).A angústia, afeto indeterminado por excelência, comporta algo de uma memória que, em suspensão, aguarda ser recordada e historicizada. Assim, desde o início, o termo angústia (angst, em alemão), na obra freudiana, designa uma modalidade de medo cujo objeto parece revelar-se obscuro, impossibilitando uma organização e simbolização subjetiva. (DANTAS, 2007)
É perceptível, a partir desse pressuposto de Dantas (2007) com bases em Freud, que a angústia pode ocasionar na destruição da persona, o que seria prejudicial ao sujeito, logo que o mesmo estaria desconstituindo a forma com a qual significou simbolicamente algo.Após essa síntese da perspectiva da persona e da angústia que, quando ferida, pode refletir-se no sujeito, vamos adentrar no campo das representações do corpo do sujeito, que vai muito além das aparências.
2. Easter Eggs: as Representações Subjetivas do Corpo
Em informática, um termo vem sendo utilizado com grande frequência para descrever surpresas ou características ocultas em determinados jogos virtuais, aplicativos, DVDs e softwares em geral: easter egg (em livre tradução, “ovo de páscoa”). Neste artigo, será utilizado o termo para descrever as características ocultas que o sujeito despende a seu corpo ou a atributos dele (características as quais necessitam de minuciosa análise para serem descobertas).
Pode-se dizer que o corpo é constituído por aspectos objetivos e subjetivos. O primeiro diz respeito ao que se pode ver, à aparência do sujeito, aos adereços que ele apresenta – como brincos, colares e tatuagens, por exemplo –, às marcas etc. O segundo, por sua vez, referencia aos sentidos e significados que o sujeito estrutura profundamente (TEVES, 2007, p. 49).
É facílimo identificar um corpo por seu tamanho, sua largura, sua cor, seu sexo etc., mas exige uma análise constante e intensa se a busca for pelas significações que nele estão ocultas. Os easter eggs são protegidos pela persona, que apenas deixa aparecer um eu idealizado socialmente.O corpo representa, como afirma Daolio (1995, p. 25) o contexto em que o indivíduo está inserido. Ele é a forma viva da cultura, das capacidades, dos ideais, dos sonhos e objetivos do sujeito. Nossos atos, desde a forma como nos sentamos à maneira como reagimos em meio a uma discussão, são reflexos dos ambientes transpostos em nossos corpos.
Existem, porém, outras significações do corpo. A forma como o sujeito se veste, a valorização que ele dá a sua voz ou ao seu paladar, a maneira como ele trata seu cabelo ou sua pele, são aspectos subjetivos ocultos. São esses aspectos que constituem o eu da psicanálise.Para Freud e a psicanálise, o eu estaria completamente ligado ao corpo. Muito mais do que isso, seria “uma extensão da superfície corpórea”. “Os processos fisiológicos e os processos psíquicos são interdependentes, fazendo com que o biológico e o simbólico dialoguem desde o início da construção da subjetividade” (FERREIRA, 2008, p. 473).Todas as representações que o sujeito faz do corpo são, como afirma Ferreira (2008, p. 477), as experiências de vida sintetizadas: são as emoções, os sentimentos, as características do que foi vivenciado, resumidos através de “sensações erógenas eletivas, arcaicas ou atuais, sendo também memória inconsciente de todo o vivido relacional”.
A forma a qual o indivíduo atribui sentido ao seu corpo ou a uma característica em especial do mesmo, como afirma Ferreira (2008, p. 480), é constituída através de uma percepção, ao mesmo tempo, individual e coletiva. Na perspectiva da construção individual, o indivíduo produz uma imagem de si com a qual é capaz de apresentar-se ao meio social, enquanto que, na perspectiva coletiva, ele é moldado através do capitalismo que “exige” que busque aparatos para se adequar a sociedade contemporânea.O indivíduo, porém, não deve ser apenas passivo quanto aos padrões socioculturais. O capitalismo exige muito mais: quer que o sujeito lance tendências que sejam seguidas para em seguida investir, tornando-as também padrões (FERREIRA, 2008, p. 481). Poder-se-ia dizer que essa seria uma relação de mutualismo, mas como apenas uma das partes mostra-se realmente beneficiada, o termo correto a se utilizar é parasitismo, logo que o capitalismo retira do indivíduo o máximo, e não o devolve de forma justa.Pode-se dizer então, que a própria subjetividade que o sujeito não deixa transparecer é controlada, e que os sentidos atribuídos por ele (e não estão visíveis) não são livres de mediação social. Os easter eggs do corpo, apesar de ocultos, são de certa forma, fáceis de serem manipulados e modificados. Toda representação do corpo, pode-se dizer, é controlada por “forças sociais”, que atuam sobre ele e, em seguida, se mascaram, não se deixando mostrar. Nada o que fazemos ou vivenciamos está realmente livre." [2]
Termino esta reflexão com este poem de Mia Coutodo do livro"Raiz de Orvalho e outros poemas: Entre o desejo de ser
e o receio de parecer o tormento da hora cindida.Na desordem do sangue a aventura de sermos nós restitui-nos ao ser que fazemos de conta que somos"
Referência
[1]http://pt.wikipedia.org/wiki/Rachel_Berry
[2]Fonte: http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicologia-analitica/mascaras-do-ego-aspectos-subjetivos-das-representacoes-do-corpo#ixzz2UAOf9Q1r Psicologado - Artigos de Psicologia
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