quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Hannah Arendt - Banalidade do Mal

Banalidade do Mal


No ano de 1961, 15 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, inicia-se em Israel o julgamento de Adolf Eichmann por crimes de genocídio contra os judeus, durante a guerra. O julgamento intensamente mediatizado, é envolvido por muita polêmica e controvérsia. Quase todos os jornais do mundo enviam correspondentes para cobrirem as sessões, tornadas públicas pelo governo israelense. Uma das correspondentes presentes ao julgamento, como enviada da revista The New Yorker, é a filósofa alemã, naturalizada norte-americana, Hannah Arendt.

Além de crimes contra o povo judeu, Adolf Eichmann foi acusado de crimes contra a Humanidade e de pertencer a uma organização com fins criminosos. O réu se declarou "inocente no sentido das acusações". No entanto, foi condenado por todas as quinze acusações que pesavam contra ele e enforcado em 1962, nas proximidades de Tel Aviv.[1]





Em 1963, com base em seus relatos escritos para The New Yorker, sobre o julgamento, Arendt publica um livro - Eichmann em Jerusalém. Nele, ela descreve não somente o desenrolar das sessões, mas faz uma análise do "indivíduo Eichmann". Segundo ela, Adolf Eichmann não possuía um histórico ou traços antissemitas e não apresentava características de um caráter distorcido ou doentio. Ele agiu segundo o que acreditava ser o seu dever, cumprindo ordens superiores e movido pelo desejo de ascender em sua carreira profissional, na mais perfeita lógica burocrática. Cumpria ordens sem questioná-las, com o maior zelo e eficiência, sem refletir sobre o Bem ou o Mal que pudessem causar.

Em Eichmann em Jerusalém, Arendt retoma a questão do mal radical kantiano, politizando-o (ver: ponerologia). Analisa o mal quando este atinge grupos sociais ou o próprio Estado. Segundo a filósofa, o mal não é uma categoria ontológica, não é natureza, nem metafísica. É político e histórico: é produzido por homens e se manifesta apenas onde encontra espaçoinstitucional para isso - em razão de uma escolha política. A trivialização da violência corresponde, para Arendt, ao vazio de pensamento, onde a banalidade do mal se instala.[2] [3]


Hannah Arendt
Nós, o Brasil e a banalidade do mal



Por Marcia Tiburi

Hannah Arendt, filósofa que dá nome ao filme de Margarethe von Trotta, é autora de uma das obras filosóficas mais importantes do século 20. A diretora opta por retratar a filósofa como uma pessoa comum, a professora envolvida com seu trabalho acadêmico, suas aulas e pesquisas. Fixa o enredo do filme no período em que Hannah Arendt escreveu seu polêmico Eichmann em Jerusalém. Tenta mostrar o que se passava com a filósofa, o cenário que a motivou a escrever o livro cujo conteúdo foi tomado por muitos como um escândalo. O motivo era a análise desmitificatória de Adolf Eichmann, o carrasco nazista capturado na Argentina e julgado em Jerusalém em 1962. Esperava–se desse homem que fosse um monstro, um ser maligno, um louco, cruel e perverso. A percepção de Arendt acerca do caráter desse personagem histórico, de sua postura comum que o fazia igual à tanta gente, causou mal estar.

Foi justamente a postura de Eichmann que permitiu a Arendt cunhar a ideia tão curiosa quanto crítica relativa à “banalidade do mal”. Por banalidade do mal, ela se referia ao mal praticado no cotidiano como um ato qualquer. Muitas pessoas interpretaram a visão de Arendt como uma afronta à desgraça judaica, enquanto ela – filósofa descomprometida com qualquer tipo de facção, religião, partido ou ideologia – tentava entender o que realmente se passava com a subjetividade de um homem como Eichmann.

Arendt não tomava sua condição de judia como superior à sua posição como pensadora comprometida com a compreensão de seu tempo. A condição judaica era, para ela, condição humana. Não menos, não mais. O problema da subjetividade, das escolhas éticas que implicam liberdade e responsabilidade, era a questão central no momento em que se tratava de pensar e realizar a política.

A performatividade da tese

No filme, fica claro que aqueles que se manifestaram furiosos ou ofendidos contra a tese de Arendt de fato não a compreenderam. Isso porque a tese da banalidade do mal é uma tese difícil, não por sua lógica, mas por seu caráter performativo. Aquele que é confrontado com ela precisa fazer um exame de sua consciência particular em relação ao geral e, portanto, de seus atos enquanto participante da condição humana. A banalidade do mal significa que o mal não é praticado como atitude deliberadamente maligna. O praticante do mal banal é o ser humano comum, aquele que ao receber ordens não se responsabiliza pelo que faz, não reflete, não pensa. Eichmann foi caracterizado por Arendt como uma pessoa tomada pelo “vazio do pensamento”, como um imbecil que não pensava, que repetia clichês e era incapaz de um exame de consciência. Heidegger, o filósofo nazista que diz ter se arrependido de aderir ao regime, era, no entanto, um gênio da filosofia e, contudo, não era diferente de Eichmann.

Aterrador, no entanto, é que entre Eichmann, o imbecil, e Heidegger, o gênio, esteja o ser humano comum. Eichmann não era diferente de qualquer pessoa, era um simples burocrata que recebia ordens e que punha em funcionamento a “máquina” do sistema, do mesmo modo que cada um de nós pode fazê-lo a cada momento em que, liberado da reflexão que une, em nossa capacidade de discernimento e julgamento, a teoria e a prática, seguimos as “tendências dominantes” como escravos livres, contudo, de si mesmos. Sair da banalidade do mal é fazer a opção ética e responsável na contramão da tendência à destruição que convida constantemente cada um a aderir.

A banalidade do mal é, portanto, uma característica de uma cultura carente de pensamento crítico, em que qualquer um – seja judeu, cristão, alemão, brasileiro, mulher, homem, não importa – pode exercer a negação do outro e de si mesmo.

Em um país como o Brasil, em que a banalidade do mal realiza-se na corrupção autorizada, na homofobia, no consumismo e no assassinato de todos aqueles que não têm poder, seja Amarildo de Souza, seja Celso Rodrigues Guarani–Kaiowá, uma parada para pensar pode significar o bom começo de um crime a menos na sociedade e no Estado transformados em máquina mortífera.[1]

[1] Enciclopédia Wikpédia
[2]Revista Cult


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