Por Camila Molina
Mostra traz a São Paulo, Rio e Brasília pinturas da artista mexicana e trabalhos de outras 15 surrealistas que viveram no México
O Estado de S. Paulo
Em sua viagem ao México, em 1938, o poeta francês André Breton ficou deslumbrado com as pinturas de uma, até então, desconhecida para o mundo das artes, Frida Kahlo. O líder do surrealismo na Europa não poderia imaginar que sua anfitriã no país latino-americano criasse obras tão repletas de símbolos – naquele ano, ela pintava Lo que el agua me ha dado, autorretrato no qual representou-se deitada em uma banheira de onde emergiam pequenas cenas, como memórias, sobre seu corpo (e dele o espectador pode ver apenas seus pés). Apesar do entusiasmo de Breton, que arranjou para Frida sua primeira exposição individual, na galeria de Julien Levy, em Nova York, a artista recusou o título de surrealista. “Não pinto sonhos e fantasias, pinto minha realidade”, ela teria dito.
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Entre tantas histórias formou-se o mito de Frida Kahlo (1907-1954) – ela gostava de afirmar, por exemplo, que havia nascido em 1910 para que a data coincidisse com a Revolução Mexicana. Por outro lado, a pintora estampou sua biografia nas obras. Abortos, traições do marido, o pintor Diego Rivera (1886-1957), a relação de dor com um corpo debilitado pela poliomielite contraída na infância e pelo acidente de ônibus que, anos depois, lhe causou lesões na coluna e no útero, são passagens representadas em seus quadros. Entretanto, com a inauguração, em 27 de setembro, da exposição Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México, no Instituto Tomie Ohtake, o público poderá aproximar-se não apenas do universo da mexicana como também da vida e produção de outras 15 importantes criadoras.
Trata-se de um projeto de fôlego. Até o momento, estão confirmadas 19 pinturas e 13 obras sobre papel de Frida Kahlo para a mostra, que, em 2016, também será apresentada na Caixa Cultural do Rio (de 2 de fevereiro a 27 de março) e na Caixa Cultural de Brasília (de 12 de abril a 12 de junho). Orçada em R$ 9,5 milhões, a exposição traz, na verdade, uma centena de obras e promove a oportunidade de o Brasil receber trabalhos de surrealistas reconhecidas – mas não tanto populares – como Leonora Carrington, Remedios Varo, Maria Izquierdo e Lola Álvarez Bravo.
Foi justamente a relação – por vezes, inédita – de Frida com outras artistas que viveram em seu país a inspiração para a concepção da mostra. “Sabia-se que Alice Rahon chegou ao México por causa de Frida, mas apenas há pouco tempo encontramos a carta na qual ela diz que comprou os bilhetes imediatamente depois de ter conhecido a artista em Paris”, conta a curadora Teresa Arcq. A poeta, estilista e pintora francesa tornou-se, depois de amante, amiga próxima da mexicana por toda a vida. Elas se conheceram no fim da década de 1930 na França. “Alice tinha acabado de voltar da Índia e vestia saris indus quando encontrou Frida com seus trajes tehuana. Foi uma atração impressionante”. Curiosamente, ainda, as duas tiveram biografias muito parecidas.
“Alice teve pólio quando menina e também sofreu um acidente que fraturou sua bacia. Ela teve de ficar paralisada em uma cama por cerca de um ano, engessada como Frida, e foi nesse momento que começou a desenhar”, explica a historiadora. Mais ainda, continua Teresa, a francesa perdeu um filho pequeno e, desde então, nunca mais conseguiu engravidar. “Ela mancava porque tinha uma perna mais curta que a outra, como Frida”, completa. A tela Balada para Frida Kahlo (1956/66), pintada por Alice Rahon com a mesma tonalidade da famosa Casa Azul da mexicana, será a obra a encerrar o percurso da exposição.
Veja o especial: Conexões de Frida Kahlo
Mas é importante dizer que as conexões de Frida Kahlo com as outras surrealistas da mostra não ocorrem apenas no campo afetivo. A celebrada mexicana foi fundamental, por exemplo, para que a espanhola Remedios Varo (1908-1963) conseguisse exilar-se no México. “Não havia documento que pudesse comprovar a relação das duas, mas encontramos uma carta de Remedios de 1939 a Frida na qual ela pede ajuda para sair com o marido da Europa”, diz a curadora. A artista, assim, criou um comitê junto ao consulado de seu país e sensibilizou o diplomata Renato Leduc para a causa. Pouco tempo depois, ele chegou a se casar de fachada com a inglesa Leonora Carrington (1917-2011) para que ela pudesse se mudar para as mesmas terras.
Desde que os chamados “arquivos secretos” de Frida e Rivera foram abertos, em 2006, surgem novas pesquisas em torno dos artistas. Quando a pintora morreu, aos 47 anos, seu marido, único herdeiro, doou a Casa Azul e tudo o que estava nela para o governo mexicano, mas pediu que os álbuns com documentos e fotografias pertencentes ao casal ficassem fechados por até 15 anos depois de sua morte. A mecenas e amiga do muralista, Dolores Olmedo, entretanto, conservou os papéis longe do público por mais tempo. Segundo a historiadora Teresa Arcq, está sendo realizado agora um maciço projeto para a publicação de um livro com as correspondências dos dois pintores – e ela participa da empreitada.
DIÁLOGOS SIMBÓLICOS
Na exposição Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México, que será inaugurada para o público em 27 de setembro no Instituto Tomie Ohtake de São Paulo, os sete autorretratos da mexicana revelam o máximo de seu universo simbólico. Em um deles, de 1943, a pintora retrata-se rodeada de pequenos macacos – e, como diz a curadora Teresa Arcq, os chimpanzés sempre representaram o erotismo na obra da artista. Outro, enigmático, El Abrazo de Amor del Universo, la Tierra (México). Diego, yo y el señor Xólotl, de 1949, ela carrega o marido, Rivera, nos braços e o “señor” da pintura é um cachorro xoloitzcuintle que, desprovido de pelos, é considerado “mágico” desde os astecas.
“O diálogo das artistas é temático”, explica Teresa sobre o conceito da mostra, formada por cerca de uma centena de trabalhos emprestados de 48 coleções privadas e particulares. A prática da autorrepresentação feminina entre as 16 surrealistas apresenta-se como uma questão importante – e numa sequência de obras de Frida, María Izquierdo, Rosa Rolanda, Remedios Varo e Leonora Carrington será possível comparar quão distinto pode ser o olhar de cada uma para si. Desse segmento, ainda, surge outra questão, conta a historiadora. Em uma litografia de 1930, Diego Rivera traça a mulher, Frida Kahlo, nua, como uma musa – o corpo sempre foi um território de conflito para a mexicana. “É um contraste de representações”, define Teresa.
O percurso da exposição, que também passará em 2016 pelas unidades da Caixa Cultural do Rio e de Brasília, vai, assim, costurando relações. Depois dos autorretratos, a natureza-morta é um gênero simbólico rico em referências e alegorias.
“Flores, frutas e plantas são usadas para narrar segredos, histórias de amor, sofrimento e alusões a órgãos sexuais”, afirma a curadora. Ela conta que Frida e Rosa Rolanda (1895-1970), nascida nos EUA, rivalizavam não apenas no cultivo de espécies florais como também na cozinha. O ambiente doméstico, “espaço de criatividade”, destaca Teresa, era um importante local para reuniões de amigos e intelectuais na época.
Deve-se também ressaltar o tema do exílio como um dos pilares da mostra. Muitas das participantes de Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México escolheram, afinal, viver no país latino-americano que, depois da Revolução Mexicana, em 1910, tornou-se um território de efervescência política e cultural.
Quando a artista Lenora Carrington pintou Artes 110, em 1942, ela representou uma mulher que se assemelha a uma bruxa a voar entre dois continentes. A obra pode representar algum temor, mas a Cidade do México tornou-se morada da inglesa até sua morte. Já outros, como o poeta André Breton, líder dos surrealistas, estiveram apenas de passagem. Na década de 1930, ele encontrou no local uma cena fascinante – e lançou, afinal, Frida para o mundo.
PRESTE ATENÇÃO...
1. Nos retratos de Frida Kahlo realizados por diferentes fotógrafos. Entre os mais conhecidos, estão os de Nickolas Muray (1892-1965). O húngaro, que emigrou para os EUA em 1913, foi um dos casos amorosos mais intensos de Frida. Na Cidade do México, o Museo Casa Estudio Diego Rivera y Frida Kahlo, abrigado no conjunto de casas modernistas projetadas em 1931 pelo arquiteto Juan O’Gorman para o casal de artistas, apresenta agora uma exposição de cartas da pintora mexicana. Como destacou a curadora da mostra, Cristina Kahlo, sobrinha-neta da artista, em uma correspondência de Frida para Muray datada de 1939, há passagens explícitas de ciúme.
2. Do conjunto de fotografias presentes na exposição, importante também destacar os trabalhos de Lola Álvarez Bravo. Ela fez um dos retratos mais enigmáticos de Frida – a artista duplica-se em um espelho e a imagem estabelece, diz a curadora Teresa Arcq, relação direta com a famosa pintura As Duas Fridas.
3. Nas fotografias de uma artista desconhecida, Kati Horna (1912-2000). A húngara também se exilou no México.
4. A partir de 1.º de setembro, o público já poderá comprar ingressos antecipados para a mostra no Instituto Tomie Ohtake por meio do aplicativo ingresse.com.
* A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DO CONSELHO DE PROMOÇÃO TURÍSTICA DO MÉXICO
SERVIÇO:
FRIDA KAHLO – CONEXÕES ENTRE MULHERES SURREALISTAS NO MÉXICO.
Instituto Tomie Ohtake. Av. Faria Lima, 201, tel. 2245-1900. 3.ª a dom., 11 h/20 h.
R$10 (grátis 3.ª)
De 27/9 a 10/1/16
Abertura: 26/9, para convidados
Fonte :
Folha de São Paulo : http://www.territorioeldorado.limao.com.br/musica/mus328878.shtm
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