sexta-feira, 26 de junho de 2015

Dança como a "Palavra do Silêncio".


Por Rosângela Brunet

Segundo Claudio Marinho, nesse documentário Win Wenders quer mostrar que "Pina Bausch, é mulher de poucas palavras, e via na dança o potencial de preencher com movimentos o silêncio deixado pelas palavras não ditas. Mas diante da necessidade de se expressar verbalmente, palavras selecionadas e certeiras foram usadas para orientar os bailarinos. Alguns dos artistas relatam isto no documentário. Em quase 20 anos de convivência, a bailarina Ruth Amarante ouviu da coreógrafa um único conselho: “enlouquecer mais”. Para a tímida Ditta Miranda Jasifi, que durante as avaliações sobre os ensaios das coreografias se mantinha sempre discreta, uma pergunta de Pina - em tom de tristeza na voz – soou marcante: “Ditta, porque você tem medo de mim?”. Para um jovem bailarino que se sentia confuso diante da vida ela disse “dance por amor”. Para todos nós ela diz: “dancem, dancem ou estaremos perdidos”. Escrevo assim, “diz” – no presente -, porque a força da expressão parece ecoa agora. O movimento diz tudo.O que se vê nas coreografias é a força do desejo, tema recorrente na criação de Pina. Com movimentos precisos, o corpo reage ora com vigor, ora com languidez. Nada é feito gratuitamente. Há dosagem de energia, de força. A intensidade existe de acordo com a situação dramática que envolve o bailarino. E esta situação dramática consegue se definir em cena envolvendo o conjunto (artista, ideia, público), formando um corpo só. "[5] Muda-Cena-Muda

"O corpo, a partir da dança de Pina Bausch, ganha um vocabulário próprio. Morta em 2009, vítima de câncer, seu legado, pela ótica de Wim Wenders, chega pela ótica dos outros. Não é Pina que se apresenta, mas seus bailarinos. A relação é revelada sem rodeios: o filme é mostrado por um homem, de costas, ao lado de um projetor. Há um público para assisti-lo, e um intermediador.
A dança comunica-se com o público enquanto revela um universo à contramão. A dança é urgente e sempre confronta o que se convencionou apontar como “comum”, ou “real”, ou mesmo “cotidiano”. A dança de Pina grita enquanto o documentarista, Wenders, apresentará o que parece tentador chamar de “teatral”. Ao contrário, é puro cinema na relação dos cortes com os corpos, das luzes com os movimentos, do balé contra as máquinas que tanto desviam pessoas da real beleza dos detalhes".PINA, DE WIM WENDERS
Segundo Sigmund Freud " As criações, obras de arte, são imaginárias satisfações de desejos inconscientes, do mesmo modo que os sonhos, e, tanto como eles, são, no fundo, compromissos, dado que se vêem forçadas a evitar um conflito aberto com as forças de repressão. (...)" [1]

Mas o que existe neste inconsciente,além da palavra, segundo Carl Gustav Jung são imagens : " ...a psique é constituída essencialmente de imagens. A psique é feita de uma série de imagens, no sentido mais amplo do termo, não é ,porém uma justaposição , ou uma sucessão,mas uma estrutura riquíssima de sentido e uma objetivação das atividades vitais através de imagens..."[2]

Estas imagens contem um universo simbólico de existência possuída de significados subjetivos e complexos pertinentes a cada indivíduo. Segundo Jung " Por símbolo não entendo uma alegoria ou um mero sinal, mas uma imagem que descreve da melhor maneira possível a natureza do espírito obscuramente pressentida.Um símbolo não define nem explica.Ele aponta para fora de si, para um significado obscuramente pressentido, que escapa ainda a nossa compreensão e não poderia ser expresso adequadamente em palavras na nossa linguagem atual” [2]
Enfim, você nomeia a dor, o sofrimento, angústia , ou qualquer outro sentimento,mas na imagem há palavras não ditas. Mia Couto disse : O Poeta não gosta das palavras,ele escreve para se livrar delas.Ele dis que as palavras são distrações"
Realmente o que importa nesse processo de autoconhecimento e individuação é o inominável , o que ansiamos é o impronunciável. Isso é nos define. Bem(dita) a palavra."Mas preste atenção no que eu não digo.Clarice Lispector falou uma vez que o que ela não conseguia falar era mais importante do que o que ela dizia.Isso não significa que a palavra não seja importante. De forma alguma. O que quero dizer é que há o "não dito" onde habita o silêncio .Não sou lacaneana,mas arrisco um palpite ao dizer que, é justamente nesse silêncio , ali no entrecorte da comunicação, que fundamenta o significante citado na teoria de Lacan. Sonia Maria Sarmento de Freitas , em seu texto "Intersecção Psicanalítica do Brasil " explica de forma assertiva o que quero dizer sobre estes entrecortes da comunicação ,e a "Cena Muda" no silêncio do setting terapêutico:" Transitando pelo Simbólico, pelo Imaginário, ou captado pelo Real, o negativo da palavra desafia, interpela, provoca... Contracenar a cena muda é função efetiva do analista, faz parte do ato analítico, integra o tempo lógico. Lacan assinala no percurso do seu ensino as matrizes significantes do silêncio... sua escuta, seu manejo, estão no âmago de uma análise. A célebre frase ”O Inconsciente se estrutura como uma linguagem” indica que lá a escritura da Letra monta um discurso cifrado, a se sonorizar n’alíngua em rede significante... teia do desejo, do saber do não-saber... O discurso insinua ritmos: palavras entrecortadas, balbucios, silêncios rápidos e longos... São notações de valor distinto: o cerco à palavra, ora fecha, ora se distende.Enredo de gozo e morte, a emergir no fluxo da palavra. ...Lembro aqui a célebre referência de Théodor Reik, um dos pioneiros, discípulo de Freud, que Lacan qualifica “de boa cêpa”... Ele cita num impressionantemente atual artigo que escreveu sobre o silêncio em 1926, que a terceira orelha do analista seria aquela pela qual ele deveria escutar o silêncio... E Lacan brinca com isto, e faz piada, dizendo que seria mais uma para não funcionar... Desde Freud a questão do silêncio do analista se impõe. Recordemos uma das histéricas maravilhosas, a Emmy Von N., que o intima a calar-se... (isto na época das perguntas e das sugestões... da hipnose). Então, ela diz a Freud que ele não deve sempre lhe perguntar isto ou aquilo, mas deixá-la dizer o que tem a dizer... o que foi levado a sério por ele, como uma regra fundamentadora em análise. Os silêncios dos analisantes foram por Freud relacionados com o fluir do Inconsciente, e postos ao lado da censura. As questões da sexualidade se apresentam, aparecem os silêncios, e nesta inserção já assinalava Freud o “esquecimento“, vem acudir segurando a barra da censura. Ele, Freud, não encontra palavras para nomear os afrescos de Orvietto (o esquecimento de Signorelli), em “Sobre o mecanismo psíquico do esquecimento”, texto de 1898. E Lacan, na “Lógica do fantasma”, situa o silêncio na dimensão significante do “Não há relação sexual” (12/04/67).Em “Função e Campo da palavra” Lacan cita um artigo de Robert Fliess, psicanalista filho de Wilhelm Fliess, artigo clássico sobre o silêncio, datado de 1948, e diz que o autor demonstra que o discurso pode se tornar objeto de erotização, conforme os deslocamentos da imagem corporal determinados pelos momentos da relação transferencial. Os silêncios podem representar jogos de construções erógenas. A palavra seria uma gratificação equivalente a “dar pela boca”... Alguns níveis de silêncio dos analisantes atestam a presença de fantasias de gozo e de morte... limites entre o Imaginario e o Real. Aí, os processamentos transferenciais se manifestam no silêncio; são mobilizações do “O”... (e Freud, já menciona estes fenômenos nas “Observações sobre o amor de transferência”).Nos limites do real, se impõem simbólico e imaginário. Entre parênteses, entre vírgulas, o silêncio é Aposto; é uma conjugação oculta, complemento reclamado, interditado... termo reclamado... Metáforas que se calam correspondem à fraturas na articulação da ordem inconsciente... acidentes de percurso: a cena muda é uma produção significante; as articulações parecem poder ser restauradas. O processo transferencial poderá permitir a ortopedia, a restauração da palavra, mas não se pode re-articular tudo... como não se pode escutar tudo o que se apresenta além da palavra, principalmente restaurar é difícil, mas não é impossível. Algo pode ser restaurado.
Provavelmente atravessar o vale do silêncio é desafio proposto ao analista em sua escuta. É possível dar passos na perspectiva epistemológica da ordem da Letra. Poderiam corresponder os seus impasses postos em questão, aos efeitos de sentido n’a Letra... lá, onde se articulou sua inscrição como sujeito, os jogos pré-verbais em repetição na cena analítica. Litoral de uma escuta interessada? (o que seria isto?)... É que aqui me lembrei de Antonin Artaud... ele disse que, o ator seria aquele que emprestasse aos seus personagens o que ele chamou de “emoção interessada”. Na contra cena, o analista seria o que disponibilizasse aos seus analisantes a escuta interessada: a que está aberta aos silêncios e às palavras ocultas que deles podem vir a brotar. Lacan, ainda no seu seminário sobre “A lógica do fantasma”, retoma os antigos gregos da escola cética pirroniana, antes já citados nos “Écrits”, e recoloca diferenças entre o silêncio do recalque e o silêncio da foraclusão. O do recalque sinaliza algo que está lá: é o “táceo”: é o calar algo existente. Aqui o silêncio ativo, algo que ainda não pode ser dito e precisa tempo para se pronunciar. Tempos de modulação da palavra... O “sileo”, refere-se a algo que deveria ter acontecido, existido, e não aconteceu, não existiu... Aqui a referência ao silêncio foraclusivo, encontro com o Real, com o dizer impossível, o que não remete a nada... Este silêncio desta palavra que não chega a ser, arbitrada pelo nada, presentifica a morte... este silêncio compete ao gozo do Outro, avatares gozantes, que presentificam “A Coisa". [4]

Teatro " COMPANHIA DO LATÃO"
Um outro caso exemplar é o silêncio da sociedade frente a sua história. numa analogia ao silêncio de um indivíduo que reprimiu e recalcou conteúdos angustiantes. Maria Rita Kehl diz que "A verdade social não é ponto de chegada, é processo. Sua elaboração depende do acesso a informações, mesmo as mais tenebrosas, mesmo aquelas capazes de desestabilizar o poder e que, por isso, se convencionou que deveriam ser mantidas em segredo. ... a supressão da verdade histórica produz sintomas sociais gravíssimos –a começar pela repetição patológica de erros e crimes passados...Se o sintoma neurótico é a verdade recalcada que retorna como uma espécie de charada que o sujeito não decifra, o mesmo vale para os sintomas sociais. O Brasil ainda sofre com os efeitos da falta de acesso à verdade..."
A arte , então, se torna um instrumento pra NOMEAR " crimes' ou seja lá o que foi recalcado , reprimido , que foi silenciado, seja por ter chegado a hora de falar, ou seja porque o Real nos atravessou. Enfim, a arte possibilita o contato com estes silêncios. Na dança preenchendo o com Movimentos, na literatura com a palavra; os pinceis escrevendo e pintando o impossível do "não-dito" , e assim um variado saber sendo atingido na aventura da criação artística. 

Referências :

[1]Sigmund Freud, in 'O Pensamento Vivo de Freud'
[2] Carl Gustav Jung,In A Natureza da Psique
[3]COUTO, Mia. Poema "O poeta"
[4] Sonia Maria Sarmento de Freitas - Intersecção Psicanalítica do Brasil 

[6]Teatro " COMPANHIA DO LATÃO" :http://blog.companhiadolatao.com.br/

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