Francesca Woodman : O Corpo em Dispersão
POR BIANCA COUTINHO DIAS
Revista Tab
Corpo-dispersão-sem rosto, que quando mirado se dissipa entre as coisas do mundo, corpo enterrado na fronteira entre a ausência, a aparição. Seu rosto também pouco revela. A verdade de sua aparência é um exílio. Sua imagem não é a revelação de uma realidade, mas de uma sombra. Por vezes ouvimos Artaud: o pulsar o corpo sem órgãos; por vezes Bataille: a febre e a intensidade; mas por vezes, entre a sombra e a claridade, o canto silencioso de Rilke: a sombra da morte. Estamos na perspectiva da sensação, numa leitura-gozo que faz o olhar mergulhar no absurdo e nele se perder, como se seu corpo estivesse mergulhado em um contínuo jogo de simulacros em que a origem, a verdade, a matriz há muito se apagou. Não há realidades, mas tudo é o que é: um corpo estendido no deserto de uma paisagem. O deserto é a fotografia, mas o corpo parece atravessado de sensações, de febre. Tudo parece vivo e morto e transcorrendo pela linha que cruza uma realidade a outra. As linhas estão sempre se encontrando, fabricando dobras, aberturas, fissuras pelas quais os olhares atravessam e são arremessados para o terreno da epifania e do sublime.
POR BIANCA COUTINHO DIAS
Revista Tab
Francesca Woodman criou uma extensa obra fotográfica e produziu, em sua maioria, fotografias em preto e branco nas quais se auto-retratava em paisagens diversas: sua casa, jardins, construções abandonadas, florestas. São imagens densas, vertiginosas e que nos fazem viajar por abismos e destroços insondáveis, provocando uma sensação de estranha familiariadade, com sua presença de força indescritível, que atrai e seduz, sem que possamos apreender ou reter aquilo que passa diante dos olhos, que permanece como um vulto poderoso e enigmático, assim como sua vida-curta, intensa e rodeada de enigmas.
FRANCESCA WOODMAN EM TÍTULO (NEW YORK) 1979-1980 | IMPRESSÃO DE PRATA COLOIDAL 21 X 21 CM |
FRANCESCA WOODMAN FROM POLKA DOTS (PROVIDENCE, RHOD | IMPRESSÃO DE PRATA COLOIDAL 13 X 13 CM |
FRANCESCA WOODMAN
SEM TÍTULO (PROVIDENCE,
RHODE ISLAND) 1975-1978
|
O susto parece inevitável. Assim foi Francesca na sua experiência com a fotografia, mas, sobretudo, na sua viagem vertiginosa ao real do corpo. Assim vamos nós, ao encontro das suas imagens – o extático através das retinas. E o que se vê são blocos de intensidade que se espalham
Lacan, em um texto sobre Merleau-Ponty estampado por Les Temps Modernes, em 1961, atribuiu à obra de arte o lugar do que não se poderia ver a olho nu, vale dizer que uma definição provisória da obra de arte seria, portanto, a de que ela é um artefato que vê, em suma, a invisibilidade do visível. Nas imagens de Francesca, no invisível que se revela, há sempre uma pulsação de intensidades. O desejo não cessa de deambular entre fluxos, pensamentos, volúpia, pele. O corpo de Francesca parece amarrado ao seu limite, mas dele escorre uma leveza indescritível. em torno do espaço, fragmentando-se ao limite, subvertendo os contornos da própria subjetividade, evidenciando a potência de uma imagem que está sempre migrando para outro lugar.
Woodman entrou para a fotografia usando o corpo como experiência, como laboratório de si. Fez uma viagem sem volta ao limiar do corpo, como se percorresse seus limites para encontrar o inevitável: sua imagem-vulto, uma quase miragem, algo que atravessa o espaço intenso da vida refletindo uma outra imagem, o além de si, que vaga desfocada, entranhada entre o tempo e espaço, como se deles fizesse parte, mas sem habitar nenhum, como uma sombra que toca sensivelmente nas coisas atravessando as superfícies mais rudimentares, transitando pelas coisas.
FRANCESCA WOODMAN | SEM TÍTULO DA SÉRIE FROM THE THREE KINDS OF MELON IN FOUR KINDS OF LIGHT (PROVIDENCE, RHODE ISLAND) 1976 | IMPRESSÃO DE PRATA COLOIDAL 11,5 X 9,5 CM |
As imagens são desconcertantes por suas improbabilidades, e se assemelham, muitas vezes, a uma imagem de sonho, intempestivas e alheias a encadeamentos causais.
Na constância do ato de se fotografar, Francesca Woodman estava constantemente forjando uma ruptura de si no corpo das coisas, tecendo linhas de fuga entre seu corpo e a carnalidade do mundo. O mimetismo se dá somente como lapso, gesto inacabado, puro devir-mundo.
O que vemos são fluidos, que podem ir para qualquer lado e que tem a força da imprevisibilidade e do descentramento. O que nos causa no seu gesto de auto-retratação é a criação de imprevistos e fugazes contornos, confissão de uma vida que vive na obra, uma erosão em si mesmo, um macular-se enquanto sujeito, para criar a vida do eu que vive na obra – em refrações, abandonos e dissoluções de si; imagens que nos tocam e que nos acompanham por muito tempo. O que acontece quando nos saltam aos olhos pela primeira vez é tão poderoso que seu efeito retumbante dificilmente deixará de ser sentido. Voltamos a elas, quando elas próprias não se precipitam, atropelando nosso espírito, trazendo à flor da pele o mesmo arrepio, a mesma sensação de vertigem. Permanecemos ligados a elas por uma interrogação em aberto, por um elo estranho, enigmático, sempre restabelecido, sem jamais perder o impacto – assim é a fotografia de Francesca Woodman – abismo para quem tem asas, morte e vida se encarando, a possibilidade de se deixar transportar para um ambiente fantasmagórico, profundamente emocional e sensual e ocasionalmente, perturbado e violento. O brutal e o delicado em diálogo. Não é possível ficar-lhe indiferente pela beleza, pela estranheza e pela audácia. Francesca também não ficou indiferente ao trampolim do real e suicidou-se aos 22 anos, nos deixando seus rastros indeléveis e sua presença,paradoxalmente, tão cheia de sopros de vida e élans criativos, em suas fotografias repletas do paradoxal encontro entre força e vulnerabilidade.
A exposição de Francesca Woodmam esteve em cartaz na Galeria Mendes Wood que fica na Rua da Consolação 3358, Jardins em São Paulo.
Na constância do ato de se fotografar, Francesca Woodman estava constantemente forjando uma ruptura de si no corpo das coisas, tecendo linhas de fuga entre seu corpo e a carnalidade do mundo. O mimetismo se dá somente como lapso, gesto inacabado, puro devir-mundo.
O que vemos são fluidos, que podem ir para qualquer lado e que tem a força da imprevisibilidade e do descentramento. O que nos causa no seu gesto de auto-retratação é a criação de imprevistos e fugazes contornos, confissão de uma vida que vive na obra, uma erosão em si mesmo, um macular-se enquanto sujeito, para criar a vida do eu que vive na obra – em refrações, abandonos e dissoluções de si; imagens que nos tocam e que nos acompanham por muito tempo. O que acontece quando nos saltam aos olhos pela primeira vez é tão poderoso que seu efeito retumbante dificilmente deixará de ser sentido. Voltamos a elas, quando elas próprias não se precipitam, atropelando nosso espírito, trazendo à flor da pele o mesmo arrepio, a mesma sensação de vertigem. Permanecemos ligados a elas por uma interrogação em aberto, por um elo estranho, enigmático, sempre restabelecido, sem jamais perder o impacto – assim é a fotografia de Francesca Woodman – abismo para quem tem asas, morte e vida se encarando, a possibilidade de se deixar transportar para um ambiente fantasmagórico, profundamente emocional e sensual e ocasionalmente, perturbado e violento. O brutal e o delicado em diálogo. Não é possível ficar-lhe indiferente pela beleza, pela estranheza e pela audácia. Francesca também não ficou indiferente ao trampolim do real e suicidou-se aos 22 anos, nos deixando seus rastros indeléveis e sua presença,paradoxalmente, tão cheia de sopros de vida e élans criativos, em suas fotografias repletas do paradoxal encontro entre força e vulnerabilidade.
A exposição de Francesca Woodmam esteve em cartaz na Galeria Mendes Wood que fica na Rua da Consolação 3358, Jardins em São Paulo.
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Outro Ensaio de Francesca Woodman no link http://artepsihefzibabrunet.blogspot.com.br/2015/05/francesca-woodmans-zen.html
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