O talento é a polidez em relação à matéria; consiste em dar um canto ao que
estava mudo.
Jean Genet
dar um encaminhamento a espantos que surgem de dois campos distintos, a música e a clínica. E que se convergiram em uma “construção” enigmática e logicamente antecipatória
que sustentou a escolha do tema deste trabalho: a voz e a radicalização do efeito de real transmitido pela música para se pensar o sujeito e sua constituição. Trata-se de uma “construção” que pode ser sintetizada em uma frase: “a fala do sujeito na clínica soa como música pós-tonal”. Frase este com diversas variações, ora pensando na música de Arnold Schönberg, ora na de John Cage, ora na multiplicidade musical que nos rodeia na
contemporaneidade. Todas ressaltando uma aproximação entre os termos com os se inicia acima este prelúdio, exigindo uma elaboração teórica que percorresse a psicanálise tendo
como interlocutora a música. Seja a arte musical, a musicalidade na constituição do sujeito, e o fazer poético que igualmente se vale da musicalidade, do inefável musical, para a criação.
Em outras palavras: o verbo em suas reverberações que invocam o criar. No início era o verbo. Porém, escutado em seu aspecto musical. Verbo chovendo melodiosamente. Uma chuva de significantes. E o sujeito a escutar com seu corpo os pingos,
melodia de pingos, que depois se dão a ouvir como música assim criada. Com letras, lalíngua, significantes. Chuva... Melodiosa voz que, desejante e gozosa, invoca voz e escrita. Sujeito.
Escrita da voz singular deste que só pode advir quando se esquece a voz incessante do Outro. Enigma ruidoso e insistente....Improvisos musicados como resposta. De uma escuta, a possibilidade de falar. Porque algo se inscreveu. Porque a escrita, a escrita pulsional, pode dar .
Obra de Henri Matisse
"La Musique" (1939)
UMA ESCUTA QUE INTERROGA: INVOCAÇÕES
Um enigma que invoca/evoca o inefável: a música. Um enigma que relança – e reenlace, talvez – o inefável poético da vida. Que traz a dimensão de um latente despertar. Que exige uma resposta. Que nos relembra que o sujeito já é, de saída, uma resposta a um
enigma. Um enigma que nos pode ser dado a ouvir sob as mais diversas tessituras de simbólico, real e imaginário em suas infinitas combinações ressonantes. E que é transmitido
pela criação de um sujeito que, em uma abertura de artesão ao real que pulsa e fura e invoca, cunha um objeto novo feito de tempo, espaço e notas, de letras e de significantes, de
lalíngua , de sede de musicar a linguagem. Enigma. Escuta. A cada vez, podendo ser de uma maneira nova. Ou, ao menos,
invocando um novo. Escutar um sujeito a vir. Escutar, no real, um sujeito que é assim invocado a se fazer. Música. Enigma. Escuta-se na música um fazer possível que poetiza o impossível do
real de modo que simbólico e imaginário são forçados aos seus limites, limites reais, de onde partem, e, nesse ato, se reenlaçam e ressoam uns sobre os outros. Musica-se porque há um
enigma originário. Musica-se porque esse enigma continua a pulsar, a ecoar, a invocar, a exigir criações. E o que se escuta nesse musicar é que o real, ao encontrar o corpo do infans
sexualizado pela linguagem, pôde passar de uma pulsação que invoca a um ritmo invocante que humaniza. Humanizando, o real insiste em cada sujeito na direção de um mais além.
A música, assim, interroga sobre uma pulsação do real, sobre um impossível de apreender tal pulsação, e sobre a possibilidade de, a partir de uma perda, a partir de um ponto de não escuta dessa pulsação, se construir um ritmo que singulariza. ..... mais tudo ouvir, por se fazer surdo em um ponto à voz do Outro, pode responder com uma voz própria que, da perda, se faz ato. Parto, então, de alguns espantos frente à música: O que se escuta quando se escuta música? O que essa escuta remete ao ato em si de escutar? O que tal escuta pode indicar da
escuta à qual o analista é chamado a fazer e que abre a via do próprio analisante escutar algo de si de uma forma nova? Com a música pós-tonal, é possível apreender uma lógica de se
escutar cada fala a partir de singularidade. Escutar cada fala que nos chega como uma peça musical, mais especificamente, uma peça musical sem tom, com múltiplos tons, com
modulações, com aberturas ao acaso, ao imprevisível, ao novo em sua radicalidade. Uma peça musical pós-tonal, schönbergeniana, cagiana... Uma peça musical de um sujeito que, reescutando um vestígio da pulsação do real, é chamado a musicar sua vida, a um recomeço, a novamente dizer sim à invocação da voz e se recolocar em movimento, em um ritmo singular, face a seu desejo. Para avançar neste sentido, proponho me deter inicialmente nas modificações do manejo da linguagem musical efetuados por Arnold Schönberg, cuja escrita composicional trouxe ainda mais fortemente uma abertura para o real a partir da criação
artística. "
Renata Mattos, Tese de Renata Mattos "A voz e a invocação para musicar a vida:
ressonâncias entre música e psicanálise"
Fonte : http://www.pgpsa.uerj.br/Teses/2011/tese_Renata_Mattos.pdf
Obra Arte de Celia Maziliauskas Granito, "Músicas"
Em seu trabalho ela enfatiza a música como elo de união cultural e espiritual entre as pessoas de todas as raças e culturas. A boa música pode ser considerada uma oração.
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